A Aldeia dos Magos Escondidos
Em um tempo antigo que
não foi registrado em livros de história, houve uma guerra. Orcs, Humanos e
Elfos lutavam entre si, alguns nem se lembravam da razão. Para poucos sábios
magos humanos, aqueles que viveram o início da guerra, o motivo era vergonhoso.
Eles sabiam que a Vaidade e a Inveja dos Homens
provocou a Guerra das Três Raças.
Os Homens se achavam mais
belos e inteligentes que os fortes e poderosos Orcs; invejavam o Poder Mágico e
a Beleza pura e celestial dos Elfos. E se viam ameaçados.
A única maneira de vencer
os Orcs seria dominar as técnicas de Guerra, o combate direto era impossível, a
força bruta dos Orcs era imensa. Então, deveriam aprender a fabricar e usar
armas, forjar armaduras, afiar as lâminas das espadas. Por outro lado, vencer
os elfos era também difícil. Como sobrepujar a magia com espadas? Como derrotar
Elfos arqueiros com suas Flechas Flamejantes, Congelantes e que nunca erravam o
alvo? Apenas aprendendo Magia a luta seria justa.
Assim, Homens nefastos e
sem remorsos, aprenderam a construir armas, escudos, imbuir pedras mágicas nas
armaduras, envenenaram flechas, espadas, adagas. Encontraram livros de magia,
aprenderam feitiços brancos e negros. Aprenderam técnicas de batalhas. Eles se
prepararam para a Ofensiva em duas frentes. Atacariam Elfos e Orcs ao mesmo
tempo.
Enfim, a Guerra acabou! Entre os
mortos, milhares de Humanos, Orcs e Elfos. Não há vencedores em qualquer
guerra. Só perdas, e muitas... Um Conselho foi reunido, com
os líderes de cada raça, e decidiram unanimemente proibir a magia dos humanos,
pois eles usaram-na de forma errada. Entretanto, a Magia não escolhe quem a
usa; e, ao longo das batalhas, estudiosos descobriram que poucos humanos eram
sensitivos à magia e podiam canalizá-la sem as palavras usadas para invocá-la.
Estes magos de nascença foram mortos um a um. Matança que obrigou os poucos
sobreviventes a fugir, a se esconder. Fingir que eram pessoas sem esse dom, que
para alguns era uma maldição. Cada um desenvolvia um tipo de poder. Todos
extremamente fortes em suas habilidades, mas se não treinadas e sem estudar os
modos corretos de desenvolvê-las, ficavam inertes, adormecidas.
E a vida seguiu...
Aos poucos as histórias foram
sendo esquecidas, memórias antigas acabam distorcidas, misturadas às invenções,
lendas, mitos. Mas uma coisa nunca mudou: a Magia era proibida. Nem sabiam mais
o motivo da proibição.
Entretanto não havia como impedir
que crianças continuassem a nascer. E entre elas, nasciam aquelas que tinham a
força em si. Quando o poder mágico despertava, eram escondidas, separadas de
seus familiares, levadas para lugares onde os caçadores de magos não poderiam
chegar. Eram treinadas para fingir, esconder e nunca usar seus dons. Sempre que
eram levadas para longe, para lugares onde ninguém poderia encontrá-las, havia
um mentor, um mago antigo oculto, vivendo junto aos habitantes do lugarejo, para
acolher e treinar as crianças nessa arte de dissimulação, de camuflagem.
Existia uma aldeia. Muito
distante.
Essa aldeia era um porto seguro
para magos por ela atraídos. Sim. Ir ao lugar não era uma escolha consciente.
Era um chamado. Ao chegarem próximos, uma sensação de segurança e paz tomava
aqueles que antes eram perseguidos. E assim se estabeleciam. Sempre em
disfarces. Ao criar raízes no lugar, um se tornava o ferreiro, outro o padeiro,
muitos arrendavam terras para plantar. Sempre escolhiam atividades onde força
bruta era essencial ou que não necessitasse de amplos conhecimentos. Estudo e
saber também eram ligados à magia. Parece-me que conhecimento em todas as eras
é considerado perigoso. Então, dessa forma, tornavam-se úteis às pessoas do
vilarejo e espantavam suspeitas com demonstrações de saberes passíveis de
despertarem olhares e pensamentos curiosos.
Após a vida se nivelar a uma
linearidade tal um lago onde a água não é acarinhada pelo vento. A paz
primordial que sentiam transformava-se em novo chamado. Claro que os magos
reconheciam outros magos. A magia era sentida. Mas faziam de tudo para anular
essa força. Tentavam a todo custo serem invisíveis. Mas eles sabiam quem era
quem. De todo modo era inevitável, assim desenvolveram códigos de comunicação.
Em um futuro ataque poderiam ter que unir forças para defesa.
E a vida seguia.
Um dia um forasteiro apareceu.
Nesses momentos, quando há um
evento novo que altera o cotidiano, o curso da vida prende a respiração.
No instante que ele surgiu, não
houve apreensões ou perguntas sobre seu passado ou interesses, mas quando ele
começou a fazer perguntas, um alerta de perigo tomou conta de alguns mais
desconfiados.
O Forasteiro não era diferente
de alguns viajantes que cruzavam as estradas que rasgavam o vilarejo. Era o
típico peregrino que buscava trabalho em outras paragens ou estava apenas de
passagem em busca de outros destinos. Normalmente esses tipos ficavam um dia ou
dois na estalagem que beirava a estrada principal e logo seguiam seu rumo. Ali
ninguém ficava. Não havia trabalho que sobrasse vagas ou destinos religiosos ou
coisa que despertasse o interesse de ficar. Um lugar para dormir, comer e
seguir seu rumo se resumia a isso; e ninguém que morava ali, realmente criava
as condições para que um desconhecido quisesse ficar.
Havia um interesse diferente
nesse homem de fora.
Ele fazia perguntas, olhava os
moradores com curiosidade. Andava calmamente observando cada detalhe do lugar.
Tentava ganhar a confiança dos moradores nativos ou oriundos de outros lugares
como ele. Demonstrava uma vontade de estabelecer morada. Alguns não se
incomodaram, ao contrário de um ferreiro.
Esse ferreiro não era de se
aproximar das pessoas em busca de amizade. Tentava depender o mínimo possível
de qualquer ajuda de seus vizinhos. Ajudava, trabalhava, mas mantinha uma
distância, era até um pouco frio. Prestativo, ao dispor de quem precisasse, mas
sem grandes gestos de amizade, sorrisos, abraços, conversas.
Quem observou a conversa que
inesperadamente aconteceu se espantou. O ferreiro se aproximou do forasteiro e
logo, sem tentar qualquer rodeio, disse:
-- Quem é você e o que quer aqui?
-- Sabe quem sou.
-- Não afirme nada. Não me interessa quem é. Seu
lugar não é aqui.
-- Sabe que não oferece risco para ninguém. Que
pode fazer um velho viajante em busca de morada e trabalho.
-- Não me venha com essa falácia. Sabe que os que
vivem aqui querem paz.
-- Essa paz não será duradoura, meu amigo. Dê-me
chance para conversar. Deixe que fale o que acontece nos sombrios corações dos
homens belicosos. Não se omita. Quando a escuridão aportar aqui, não haverá
muito tempo para aprontar uma defesa ou revide.
Houve uma silenciosa troca
de olhares, um media e lia a face do outro. Pareciam se comunicar mentalmente.
Não era possível ver movimentos, gestos que pudessem ser lidos. A leitura era
da alma de cada um através de seus olhos fixados, vidrados de cada um.
Viraram-se e sem palavras
pronunciadas foram cada qual para seu caminho. Quem assistiu ao embate de
palavras, não entendeu nada. Talvez a menina que era filha da antiga dona do
armazém onde os dois se encontraram. Talvez um ou outro que passava por ali
naquele momento. Mas os dois não deram conta de nenhuma dessas possibilidades.
A filha da dona do
armazém, contou o que viu e ouviu para sua mãe assim que chegou à sua casa. Sua
mãe não esboçou reação. Olhou a filha, para um lugar qualquer na direção da
estante de livros e foi para a dispensa da casa. Retirou um objeto embrulhado
em um pedaço de couro de serpente e após alguns segundos desfez o nó. A garota
olhou por cima dos ombros da mãe para ver o que ela olhava tão quieta e
concentrada. Uma varinha era o destino dos olhos de ambas. A mãe, ao perceber o
olhar interessado da filha, falou quase solenemente:
-- Não imaginava que teria que voltar a usar isso,
mas não temos mais opções. Pelo que me contou se essa conversa se provar
verdadeira, é melhor estarmos preparadas.
O Ferreiro voltava inquieto para sua casa. Não
imaginava que isso poderia acontecer: “Tantos anos escondidos e justo agora
quando tudo estava esquecido esse infeliz aparece. Quem ou o que o trouxe aqui?”
Mesmo desejando que o Forasteiro desaparecesse o mais rápido possível da
aldeia. Essas perguntas precisavam de respostas.
Olá, Amigos.
Nesse ponto as respostas
desejadas pelo Ferreiro se convertem nas mesmas do Leitor. Cabe ao escritor (a)
ou autor (a) respondê-las (ou não) ao longo da história. Adiantar as respostas
ou atrasá-las. Conforme o que lhe parecer conveniente. Acho (minha opinião)
atrasar muito perigoso. Talvez aí se encontre o xis da questão. Esse equilíbrio
na entrega de informações que cria toda a atmosfera de interesse de leitura.
Ninguém gosta de ser enganado. Nenhum leitor gosta de soluções feitas na
pressa, no desespero de resolver logo uma trama. Eu gosto que as situações
propostas na leitura sejam aos poucos elucidadas, resolvidas. Acho interessante
que migalhas de informações sejam jogadas no caminho. Cabe ao leitor encontrá-las.
Vamos pensar em como resolver essas questões do Ferreiro? Ou não resolver?
Até mais.