Prólogo
Sentados à mesa de um bar,
discutiam realidades alternativas, conspirações, futebol e mulheres. A fumaça
de cigarros nunca era uma variável, só a temperatura das bebidas. Também se
verificava na discussão, que garçonetes gostosas só existem em um universo
paralelo adolescente nerd ou em séries de TV. Gosto dessas conversas regadas a
bebida por sempre a verdade aparecer nas opiniões. Aonde o tema conspiração
chegaria?Não tem mais apelo falar do Homem não ter ido à lua. Ou se há chupas-cabras,
Nessies, Sasquatchs, aliens, etc. O nível alcoólico tinha passado já do aceitável
e como sempre alguém solta:
--E se a Alemanha ganhasse a
guerra?
Com aquela cara de medo do sobrenatural
- De imediato alguém responde.
-- Assuntinho batido, hein?Já
tem um filme sobre isso. Dos anos noventa acho.
--Sério, vi um documentário sobre a
influência Nazista na América do Sul. Impressionante... -- Deixa um ponto de
interrogação um bom tempo. E se?Mas hipótese assim tem muitas opções...
Capítulo
01
Leandro volta para casa com a
cabeça latejando de idéias e possibilidades.
”Preciso sair dessa espiral
eterna de trabalho chato, responsabilidades e tédio que minha vida me proporciona.”
Acende as luzes da sala, liga a
TV, olha para o notebook fechado sobre a mesa de centro, a estante cheia de livros.
Deita no sofá e lembra o pensamento que há dias o perseguia.
“E se a História tivesse mais detalhes,
mais caminhos e o cenário fosse outro?”
Essa sensação de que há algo
mais.
”Deve ser parte da natureza
humana essa busca do ‘Santo Graal’ ou sei lá... Um refúgio para que a realidade
de ser poeira cósmica não nos afunde mais na chatice do ciclo
Come-Dorme-Trabalha.”
Crises existenciais de lado. Vamos voltar ao
devaneio conspiracional. Por que o tecido da realidade tem que ser tão
sólido?Quase mais forte que Adamantium?Por que a verdade tem que ser tão
impossível?
”E se?”
Pode ser uma pergunta desafiadora.
Por que negá-la? Por isso negá-la?
Respira
fundo, cria coragem, abre o notebook torcendo para que a idéia não se perca e
procura os arquivos que motivaram a conversa no bar: Uma tese de doutorado
sobre o assunto onde o documentário se baseia e o próprio vídeo do documentário.
Os encontra. Pronto!Estava embasado historicamente. Começa abrindo um arquivo
novo no Word e deixando rolar o vídeo, passa os olhos pelo arquivo pdf aberto, tentando
começar a escrever. Mas em sua idealização adolescente, deveria ser “colocar
uma folha em branco na máquina.” E como sempre, pensa em como começar a
escrever. Qual a melhor frase ou cena ou palavra...
“Por que não encontro um
manuscrito de um ex-presidente revelando tudo sobre os segredos do governo ou
documentos secretos de uma experiência realizada pelas forças armadas. Ou
simplesmente, sou um gênio e crio um mundo fantástico onde há muito tempo atrás
em um lugar muito, muito distante aconteceu uma história.”
Era jornalista, mas não exercia a
profissão. Pensava em ser escritor. Mas a cobrança de fazer sua obra-prima já
no primeiro trabalho sempre adiava seus planos e criava um círculo vicioso de
subsistência profissional onde sobrevivia corrigindo Trabalhos de Conclusão de
Curso ou escrevendo críticas de cinema para sites voltados ao entretenimento.
“Quer saber? Dane-se! Dane-se a fórmula,
a narração, o narrador, a narrativa, a separação entre o que é minha escrita ou
a fala do narrador ou do personagem ou do alter-ego do psicopata, adestrado estereotipado
que vou criar. Preciso apenas aprender a contar a história. Ou deixa - lá
contar-se por si própria. Quero romper com a necessidade de me adequar ao
intelecto do mercado. Que ninguém leia ou compre o livro. Que ninguém goste ou odeie.
A indiferença pode significar mais que a unanimidade. Não penso que o que
acontece em minha mente possa ser de algum proveito para os outros. Então para
que me preocupar? Vou exteriorizar o que há em mim. Dane-se”
Uma hora depois... Apenas olhando
para a tela. Desiste:
“Melhor pensar em uma estrutura
narrativa...”
Releu
as regras de narratologia. E pensou se teria sido fácil para Dan Brown ter
escrito o mesmo livro cinco vezes. Bom, por que sempre trava nessa hora?A
escolha é um ato que deveria ser mais trivial. Tantas palavras para começar e
ele não sabe qual escolher. Será que com a estrutura narrativa definida ficaria
menos nebuloso o caminho?Após anotar em uma agenda o que era para ser seguido
enquanto fio narrativo. Leandro pensava se era mais interessante seguir três
atos ou deixar a trama longa e contar vários eixos não lineares de personagens
que ao decorrer vão aparecendo. Descrever de forma detalhista e neurótica o
cenário físico e psicológico ou apenas ser testemunha dos eventos.
“João leu o livro. Gostou.
Devolveu-o a estante e foi embora da biblioteca.”
“Isso resume bem um modo
narrativo em três atos. Tem até quatro.”
Rindo de si mesmo, resolve que a estrutura
narrativa seria épica. Teria um cenário histórico, geográfico e temporal
definido e se valeria de eventos reais acompanhados de fictícios. E os
personagens?Outro tópico interessante. A estória se sustenta sem personagem ou
personagens?Existe alguma coisa assim na literatura?O evento pode ser maior que
os personagens?Um atentado terrorista ou uma guerra ou o Holocausto pode ser
maior que apenas um homem ou mulher que passou pelo evento?Penso como narrador
que a testemunha do evento deixa de ser influente na história quando o choque
causado pelo evento provoca na testemunha um horror, êxtase, torpor maior que a
emoção de quem está participando do evento. Nesse momento, a empatia ou o
sentimento de alivio por ter se livrado da tragédia-comédia passa a ser o que
define a importância da personagem.
“Malditas aulas de filosofia.”
Enfim começa a escrever (será?).
“Era uma vez um cara que queria
ser escritor, mas não conseguia escrever uma linha. Decidido a começar, ele
encontra uma foto que sugere um monte de possibilidades. Um tijolo com a
suástica. De onde seria? Para que foi usado? Quem o fez? Era real? Quais as
intenções da fabricação e da utilização? Acho que agora tenho um ponto de
partida.”
’O Tijolo Nazista’.
“Título provisório.”
Na agenda escreve:
“- Referências são
realmente necessárias? (Não sei, mas já pensei em várias);”
“- Porque tem que estabelecer tudo na estória?”
“- É necessário em quatro minutos de filme/livro, você já entender toda
a estória?”
“- O personagem lembra que não
tem manuscritos (Operação Cavalo de Tróia, O Nome da Rosa), nem criou um mundo
mágico medieval ou em outra dimensão (Harry Potter, George Martin, Tolkien); e
baseado em Dan Brown na seguinte descrição de um blog: ‘Como escrever como Dan
Brown e vender milhões’; Cenário real, fatos históricos e ficção.”
- “Narratologia.”
Olho no papel, olho na tela.
Escreve mais tópicos:
- “Premissa”;
- ”Esquema”;
- ”Sinopse.”
Levanta para fazer um café. A noite vai ser
longa.
Capítulo
2
“E agora?”
Já com
o estômago azedo de tanto café, esboço pronto e com mil idéias fervilhando em
sua cabeça. Olha para a agenda cheia de anotações, setas, quadrados com temas, idéias
e tenta imaginar se no fim de tudo, o caminho escolhido seria o ideal.Seria
melhor escrever uma realidade paralela onde Hitler estava vivo na Argentina e
planejava junto com neonazistas, uma retomada de poder na América Latina?Ou se
firmar na realidade e fazer uma reportagem?Mas os pesquisadores citados no
documentário já haviam feito isso.
“Dá
próxima vez vou desenhar um mapa, criar um mundo fantástico com elfos e dragões.
Ou criar um elemento natural que dá poder para a raça ou povo que o detém em
suas terras. Assim acho que fica mais fácil me desvencilhar de todos os
problemas com a imensurável pesquisa que vou ter que fazer para não vacilar no
livro.”
“E agora? Bom, agora vou escrever
tudo que vier a mente e no fim separo o que presta do que não presta. Dan Brown
escreveu o mesmo livro sempre: Pano de fundo real; tensão sexual reprimida
entre o homem e a mulher envolvidos na estória; evento que poderia abalar todo
o tecido da realidade estabelecido pela mídia, religião e política. Personagem
comum que poderia ser qualquer um de nós. Nesses aspectos penso que a ‘tensão
sexual’ é o ponto mais importante. Mesmo a estória sendo um lixo, em nosso
inconsciente torcemos tanto para que o cara dê um beijo na moça que devoramos o
livro sem notar o óbvio da coisa toda. Bom mesmo é o James Bond, que transa com
todas, bebe Martini,dirige só carrão e ainda é inglês.Mais chique impossível. ”
Ufa!Ele descobriu que personagem
carismático era importante. Descobriu a roda. Narrador na torcida?Novidade.
“Caramba! Dan Brown como
referência? Melhor ler mais Chuck Palahniuk, Tolkien, T.H.White. Senão, para me
inspirar vou colocar um cd do Wando e depois do Richard Clayderman. O problema
dos escritores ingleses como referência (Tolkien e White), seria no fim de todo
o processo, eu tentar ser ou me tornar um genérico de J. K. Rowling. Igual ao
Rick Riordan. Que maldade. Chega de referências.”
“O tijolo do título pode ser meu
ponto de partida. Porque no sentido de peça utilizada em construção ou parte da
construção de um muro ou parede, posso considerar que a estratégia dos nazis
era pavimentar ou construir a invasão da América Latina pela via menos
sangrenta. A via Intelectual e ideológica. Seria muito custoso e até impossível
copiar a Invasão da Normandia. Não sou militar nem servi nenhuma força militar.
Mas parece claro que subir com tropas e tanques a Serra do Mar no estado de São
Paulo é complicado. Essa barreira natural seria uma boa defesa. Invadir pelo
nordeste? Só se deslocasse o Rommel para o Maranhão e junto com ele o Afrika
Corps. Imagina? Fácil. Alguns navios com tanques e pronto. E tem mais: Atravessar
o Atlântico? E o apoio aéreo? Agora complicou de vez. Não pularam nem o Canal
da Mancha. Acho que o lógico seria fazer o que fizeram na Alemanha antes da
Guerra. Propaganda e política.”
“Nesse caso, tenho que aumentar minha
pesquisa. Receita de bolo pronta. Agora é juntar os ingredientes.”
Foi dormir.
Capítulo
3
Depois de uma pesquisa rápida
na internet. Resolve comprar alguns livros. Ficção, não-ficção, tudo que
encontrou sobre o assunto. Notou que o universo da matéria era vasto e um pouco
sensacionalista. E achou estranho não haver muito material a respeito tratando
do assunto do ponto de vista latino-americano. Tanto o que diz respeito ao
posicionamento dos governos quanto à opinião da população. Nesse aspecto pensa
em pesquisar o contexto histórico e social da época. Como era o Brasil das
décadas de vinte, trinta e quarenta? Quem eram os formadores de opinião? Qual a
mídia mais forte no âmbito popular? Rádio ou jornais e revistas? Posição do
governo? Como o Brasil era visto estrategicamente pelas nações em guerra?
“Vou aproveitar o fim de semana
para pesquisar.”
Voltava para casa, feliz e
cheio de livros.
“Era importante ter um
embasamento histórico.”
”A ambientação/embasamento
histórico parece nos oferecer certo conforto na leitura.”
“Acho que por isso tem um mapa no começo dos
livros do Tolkien e do Martin. A necessidade de localizar tudo. Será que a
estória simplesmente não pode acontecer em qualquer lugar? Cabe agora a
definição de Cenário em Narratologia: Realista, Geoficcção e Fantástico. Meu
Cenário é realista. Facilita algumas coisas, mas me prende a outras. Terminando
esse livro, talvez crie um mundo só meu. Em um Cenário Fantástico. Fico livre
de regras e crio minhas próprias.”
“Revisitando o universo de meus
sonhos. Título do próximo.”
Em casa, abre a agenda e tenta criar um
esquema para que os rabiscos da noite anterior tenham sentido e ajudem mais que
atrapalhem.
“Isaac Asimov criou as três leis
da Robótica. Chuck Palahniuk criou as regras do Clube da Luta. Preciso das
minhas.”
E enumera tudo, com um nome
curioso:
“Lista para evitar que minha
neurose atrapalhe o trabalho.”
“- 1° Escrever todo dia;
- 2° Escrever todo dia mesmo;
- 3° Nunca escrever bêbado;
- 4° Qualquer lixo pode servir;
- 5° Você não é Machado de
Assis, nem Drummond, nem José Simão;
- 6° Desencana e escreve.”
“Será que sou bipolar? Ou
tetrapolar?”
“Agora tenho que pensar em como definir o que vou fazer.”
“Pontuando as prioridades. Devo
me preocupar em localizar o leitor no contexto social, geográfico, histórico e
político. Fazer a leitura fluir sem parecer um trabalho de quinta série ou uma
extensa tese de doutorado. É um romance histórico. Tem que ser divertido. Tem
que ter alívio cômico. Eu sou o alívio cômico? Ou minhas neuras?”
E faz outra lista.
“Perguntas a serem respondidas no
trabalho ou Lista das regras para o livro não virar sessão de terapia.”
“- Definir onde, quando, como e
por que;
- Personagens? “
“Meu Deus, de novo esse dilema do
personagem...”
“- O tijolo.”
“Que mais?”
“- Promover o livro na net?
- Testar os capítulos?
- Fazer um blog?
- Bruna Surfistinha, não!”
Capítulo 4
“Já sei! Uma frase para começar já tenho. Vai
ser por esse caminho:
Um cara
compra ou herda uma fazenda ou um sitio em Itatiaia. E encontra uma cristaleira
ou armário ou caixa com louças contendo
a suástica estampada.”
Em suas anotações da
agenda, copiou informações que encontrou na internet, além de anotações de sua
própria consideração que iriam servir de auxílio no desenvolvimento do livro.
Após terminar de ler, resolveu copiar no notebook separando e copiando tudo em
fato histórico, ficção, influência, consideração com comentários para algumas
partes da pesquisa.
“Consideração:”
“-Devido ao vistoso crescimento
econômico e militar da Alemanha de Hitler, diplomatas latino-americanos se
encantaram com o regime nacional-socialista. O FBI investigava isso e penso que
as ditaduras latino-americanas são reflexos ou ecos dessa investigação, mais
tarde sendo patrocinadas/promovidas pelo governo americano - leia C.I.A. - como
forma de controlar as nações dessa região. Ou a tomada do poder pelo Exército
foi causada por um vírus? A economia em colapso dos anos oitenta também seria
um tipo de manipulação para tirar o foco das pessoas do que realmente
acontecia? Evitar que o senso crítico se desenvolvesse e as pessoas envolvidas
com o Poder perdessem força? Seria uma terceira força entre as ideologias
políticas da época, o nacional-socialismo proposto por Hitler? E isso seria um
problema para a América capitalista?”
“Fato Histórico:”
“-Os nazistas Franz Stangl e Gustav
Wagner moravam nos arredores de São Paulo. Atibaia.”
“Será que havia um plano de fuga no
caso de derrota para os aliados e o destino seria o Brasil ou a América Latina
de forma geral?”
“Fato Histórico:”
“-Simon Wiesenthal em abril de 1978 encontrou
nova pista na procura de Gustav Wagner, um artigo de jornal brasileiro descrevendo
uma estranha comemoração em um Hotel no Brasil uma festa de aniversário para Hitler
(o Jornal do Brasil recebe anonimamente um convite cifrado e manda jornalista
investigar). Hotel Tyll, restaurante, cristaleira, todos com suástica. Festa em
Itatiaia.”
“Influência:”
“-Universos pessimistas de Alan Moore,V de
Vingança , Watchmen , A Liga extraordinária . Citar como contra-peso aos Universos
cristãos de Tolkien e C.S. Lewis.”
“Ficção:”
“-Indiana Jones contra os nazis nos filmes
Caçadores da Arca Perdida e Indiana Jones e a Última Cruzada.Além de toda
citação à Segunda Guerra nos anos 80 e 90,em filmes jogos de
video-game,computador,etc.”
“Ficção:”
“-Spielberg em Resgate do Soldado Ryan,Lista
de Schindler.”
“Influência:”
”-George
Lucas usando a estética nazi em star wars: usando o nazismo como estética do
mal na série toda, capacete, exército, e até a manipulação política do Darth
Sidius transformando a República em Império (reich). Ao estar presente na
memória de todos nós, a Segunda Guerra Mundial, em função de filmes, escola,
etc. Parece-me ficar mais fácil estabelecer uma ponte entre a ficção e a
realidade dando suporte a suspenção da descrença necessária para acreditar em
um universo tecnológico com ética medieval: Jedis (samurais) em um mundo com
naves capazes de realizar viagens a velocidade da luz.”
“Consideração:”
“-Reconhecemos inconscientemente a universalidade do
tema(Segunda Guerra Mundial) e acabamos por mergulhar na estória ,no caso a
mitologia Star Wars.”
“Consideração:”
“-
Um evento histórico nesse caso pode ser visto da mesma maneira que um arquétipo
social?”
“Influência:”
“-O roteiro da saga Guerra nas Estrelas, Star Wars
no original, é baseado no mito do herói.
Esse mito é um conjunto de arquétipos recorrentes em
quase todas as lendas e mitos, presente no inconsciente coletivo de todas as
sociedades humanas. São os heróis, seus mestres, sua iniciação, suas aventuras.
A história dos Jedis comove porque fala de coisas comuns a todas as pessoas e, principalmente, da dualidade entre o bem e
o mal. Do que contém em si duas naturezas. No caso
a eterna sedução do Lado Negro da Força sentida pelos Jedi.”
“Influência:”
“-Joseph Campbell.”
“Influência:”
“-O mito heróico teve origem na mitologia grega, mas
George Lucas foi o primeiro a misturar todos esses elementos de uma maneira já
condensada e presente no cotidiano de quem assiste a série de filmes, fazendo
com que se identifiquem com a história. Os Jedis são inspirados nos samurais,
os heróis do Japão feudal, tanto nas vestimentas, no seu código de conduta e
espiritualidade quanto nas técnicas de luta com a espada. O diretor japonês
Akira Kurosawa (Os Sete Samurais) já usava esses heróis vinte anos antes da série sair do papel. Para o
papel de Obi-Wan Kenobi, na primeira trilogia, chegou a ser cotado o ator
japonês Toshiro Mifune, que já tinha feito papel de samurai nos filmes de
Kurosawa. A palavra jedi vem do termo japonês jidai geki, que designa dramas de
época - quase sempre histórias de samurais - na TV nipônica.”
“Será qua alguém tem o Poder do Mito de Joseph
Campbell para me emprestar?”
Capítulo
5
“Um cara compra
ou herda uma fazenda ou um sitio em Itatiaia. E encontra uma cristaleira ou
armário ou caixa com louças contendo a suástica estampada.”
“Outra regra para a
lista: Diminuir as opções.”
Agora
devidamente munido de café, livros, revistas, CDs, comida. Começa finalmente a
escrever.
Afonso
herdou o prédio de um Hotel. Seu tio Célio, o havia comprado, após a falência
do empreendimento, alguns anos antes de morrer. E sempre comentava, dizendo
sonhar em reativar o Hotel pela grande possibilidade financeira e por ser um
ramo de negócios bastante próspero na região. Coitado. Morreu sem ver o sonho
realizado. Agora estava tudo nas mãos de Afonso.
“Bom começo? Ai, as
neuras...”
O escritor pretenso então começa finalmente a
escrever sem se preocupar com mais nada (ou pelo menos acredita nisso), percebe
que a estória parecia se formar sozinha e tenta transformar todas as
informações que acumulou nos últimos dias e noites em algo para desenvolver no
decorrer do processo de escrita do livro. Já havia passado uma semana desde que
começou a pesquisa e pensava já ter encontrado um bom argumento para começar a
escrever. Quem sabe o ritmo da escrita forçada noite adentro, o faria notar um
jeito de desenvolver a estória sem que fosse preciso criar milhares de meios
para a produção do texto fluir.
“Tem que ser uma
escrita visceral e desestruturada a princípio. Após um número suficiente de
páginas teria um formato sendo criado sozinho. Era melhor a estória se deixar
guiar e não definir tudo logo no começo.”
”Deixe a audiência
guiar o roteiro.”
Era ele mesmo a
Audiência.
“E esse Afonso?
Precisa de um flashback contando sua infância privilegiada com os pais em uma
cidade do interior de São Paulo. Indo a Itatiaia de quinze em quinze dias
visitar o tio Célio? Dizer que é filho único e estava terminando o mestrado em
História?”
“Caramba, não era sobre tijolo? Agora virou
para Xícaras Nazistas? Esquece o título, Leandro.”
Rindo de si mesmo tenta
deixar a história fluir. O título era provisório mesmo.
“Melhor pensar em apenas
escrever.”
Tentando criar um
argumento para justificar o livro. Leandro pensa em um aspecto da mente humana
importante na evolução de todo o processo científico, cultural, artístico, etc.
Responsável, em parte, da criação da sociedade atual e de nós mesmos: A
Curiosidade.
“Será que a necessidade
de encontrar algo além de nós mesmos, vem de nossa cultura ou de nossa
natureza?”
“Acho que finalmente
tenho material suficiente para continuar. Vou me fixar na relação entre Brasil
e a Alemanha na questão política e econômica fazendo um paralelo entre a
dualidade do sistema nacional-socialista... E afundar a história! Acorda Leandro!
O livro é uma ficção. Roberto Lopes já escreveu sobre: ’Diplomatas e Espiões ‘
e ‘Missão no Reich’.”
Aff... Mais referências.
Espero como narrador, enfim
me retirar do ofício e deixar que nosso personagem neurótico crie sua estória
ficcional. Termino aqui minha função e entrego o cargo à disposição do escritor
do metalingüístico livro que você leitor tem em mãos. Quero apenas deixar a
narração se desenvolver dentro da mente de nosso amigo Leandro sem necessidade
de deslocar a atenção do leitor para o cenário ou a ação envolvida na trama. Agora
a mesma, será descrita e narrada apenas pelo escritor, no caso Leandro. Sendo necessário
reestruturar a contagem de capítulos e começar o livro dentro do livro. Até
mais! Caso o autor da metalinguagem ache preciso.
“Titulo Provisório número 3:
Conspiração Nazista”
Capítulo
01
Presente
de Grego (ou nazista?)
Afonso
herdou o prédio de um Hotel. Seu tio Célio, o havia comprado, após a falência
do empreendimento, alguns anos antes de morrer. E sempre comentava, dizendo
sonhar em reativar o Hotel pela grande possibilidade financeira e por ser um
ramo de negócios bastante próspero na região. Coitado. Morreu sem ver o sonho
realizado. Agora estava tudo nas mãos de Afonso.
-- Tomara que o terreno pelo menos seja
valioso... Vai que o prédio esteja caindo. Pensou Afonso, dirigindo em direção
a cidade onde o imóvel se localizava.
Ainda não havia
se recuperado da notícia da morte do tio e mal saindo do cemitério, após o
funeral, recebe um telefonema pedindo para acompanhar a leitura do testamento.
-- Advogados são
assim mesmo insensíveis ou aprendem isso na faculdade? Respondeu à secretária
que lhe deu o recado do compromisso imposto pelo trágico acontecimento. Ninguém
entendia o motivo do suicídio do tio e Afonso não acreditava nessa hipótese.
-- Tio Célio era
novo e com a saúde em dia. Estranho ter um testamento. Ainda mais deixando para
mim um Prédio abandonado no interior do estado. O que ele pensava que um
professor vai fazer em um hotel falido? Abrir um museu? Pensava, atento as
placas da rodovia.
Entre as lembranças dos dias passados, a
mistura de emoções desde os momentos da dor da perda do tio, a surpresa do
testamento inimaginado e a paisagem da estrada, uma angustiante sensação de que
havia algo errado com a morte do tio atormentava Afonso. Qual seria a próxima
surpresa?
Chegando à cidade que era
o cenário de sua infância, pára o carro no endereço dado pelo advogado e fica
feliz com a simpatia do lugar.
– Pena não ter realizado
seu sonho, Tio. Falou baixinho olhando para frente do prédio que ainda mantinha
certa imponência.
Era um belo lugar e deveria ter sido próspero
em seu auge. Deveria ser dos anos cinqüenta. Com aquela arquitetura
retro-futurista bem marcante da época. Além de aparentar alguma vitalidade,
quem sabe por causa da reforma que parecia recente, o prédio estava muito bem
protegido com cadeados novos nos portões e grades nas janelas onde haviam
vidros maiores e passíveis de arrombamento.
– Mais um motivo para eu
duvidar do suicídio. Será que ele descobriu que estava com alguma doença
terminal?
Essa dúvida só crescia em
seus pensamentos sobre a morte do tio.
Ao entrar no saguão do Hotel, se espanta com o
brilho do assoalho. Era como se acabassem de tê-lo lustrado. Estando livre de
móveis aparentava ser enorme. À esquerda da porta principal havia uma escada de
madeira muito bem feita e cheia de detalhes nas pequenas colunas do corrimão.
Do lado oposto à escada, um balcão muito discreto e um painel onde as chaves
deveriam ficar logo atrás. Seguindo o balcão um longo corredor terminava com
uma porta de vidro que dava para a piscina.
--
Nossa! E eu preocupado. Achando que estava tudo caindo. Falou sozinho, tão
grande a admiração que sentia enquanto caminhava pelo saguão. Reparando no
revestimento de madeira que conferia ao lugar um clima europeu, apesar da
fachada lembrar outros prédios da rua e não ter muito do estilo do interior.
Balançou negativamente a cabeça, se culpando por julgar que o prédio estaria
abandonado.
Constrangido com a
desconfiança em relação ao capricho do Tio, Afonso segue curioso descobrindo a
beleza do lugar e percebendo a mão do tio na qualidade do feito da reforma que
a cada passo no interior do prédio se fazia mais evidente.
Seguindo pelo corredor encontra outra
sala que deveria ser onde as refeições eram servidas e no fundo uma porta
vai-e-vem que deveria dar para a cozinha. No fundo da sala, muito bem organizadas,
estavam junto à parede, mesas com tampo de vidro e cadeiras de ferro fundido
com encostos trabalhados, muito bem feitos ostentando no meio as letras HT, que
deveriam ser referentes ao nome do antigo Hotel. Uma cristaleira muito grande
estava junto ao material todo. Vazia. Estava escurecendo. E apesar de ser dono
de um, Afonso seguiu para outro hotel.
Após
um banho demorado. Começa a repassar todos os acontecimentos. A morte trágica,
o testamento, o Hotel recém reformado. Os anos que não o via pessoalmente nem
sequer falava com o Tio pelo telefone ou qualquer outro meio. Bateu certo
remorso. Mas nunca brigaram ou se desentenderam. O afastamento se deu por
circunstâncias comuns. Faculdade, mestrado em andamento, trabalho, correr atrás
de dinheiro. Tentar se estabelecer. Coisas que a vida nos obriga a fazer e não
pensamos se no fim vale à pena. Agora sem uma pessoa que amava não fazia conta
de quanto à vida iria ficar mais cinza aos poucos. Era hora de rever conceitos
e talvez mudar a direção. Pode ser que a morte do Tio, independente do motivo
era para ele uma forma de aprender a viver a vida de maneira mais desacelerada.
-- Bom... Agora é dormir,
acordar cedo e tentar ver se consigo falar logo pela manhã com as pessoas que
trabalhavam e conheciam o Tio Célio. Espero que consiga descobrir as intenções
dele em relação ao Hotel.
No dia seguinte
pela manhã, passa na prefeitura para ver a situação fiscal do imóvel e descobre
que o tio era muito querido e que sua morte causou estranheza a todos. Também
duvidavam do motivo alegado pela perícia.
Liga para o
responsável pela reforma, Seu José Antônio, no número indicado pelo advogado.
E, marca de se encontrarem depois do almoço, entre 13h30min e 14h00min no
Hotel.
Ao se
aproximar já vê Seu José no portão.
-- Hora não
muito boa para te conhecer, meu filho. Diz o homem que aparentava ter em torno
de sessenta anos e com uma jovialidade que não era típica da idade.
--Seu Tio era
um homem como poucos, meu amigo há muitos anos. Meus pêsames.
--Também
pensava isso dele. Realmente, não gostaria de conhecer o senhor nessa situação.
Estende a mão e percebe a firmeza do cumprimento do mestre de obras. Um aperto
de mão que apenas pessoas seguras são capazes de fazer e demonstrar a tenacidade
de sua personalidade.
Conta a
Seu José que entrou, olhou o saguão e o restaurante... E não tinha visto mais
nada. Como era perto das 17 horas estava cansado por causa da viagem, com fome
e tinha preferido ir descansar. Tinha passado apenas por curiosidade e estava
maravilhado com o que havia encontrado. Seu José diz que ainda tinha algumas
reformas para fazer, mas o Tio mandou parar tudo depois que encontrou umas
caixas, que ninguém sabia o conteúdo, em uma parte do prédio que estava
trancada. Aquilo tinha deixado o Célio perturbado e com uma ansiedade nunca
notada em alguém como ele. Após ver as caixas, Célio pára as obras e ficava horas
e horas sozinho trancado no prédio. Manda os pedreiros trocarem as fechaduras
que davam para a rua e colocarem grades nas janelas. Coisa que não era prevista
no projeto. As janelas eram altas devido ao tipo de construção com alicerce bem
acima do nível do solo para evitar umidade e infiltrações. Era mais fácil
colocar alarme e câmeras, havia sugerido. Mas ele achou pouco seguro.
Acostumado com essas paralisações em obras daquele tamanho, não havia dado
muita atenção a mudança de comportamento do tio Célio, justificando achar que
seria de ordem econômica. Como isso na maioria das vezes era o motivo. Restava
lamentar a perda do amigo.
Afonso
pergunta sobre as caixas e o conteúdo. Mas Seu José diz que como a morte pegou
a todos de surpresa, nem tinham entrado mais no prédio. As chaves ficavam com o
Tio e como ele ficou neurótico com a segurança, com certeza deveriam estar na
casa dele.
A casa era dos
avôs de Afonso. Ele havia recebido uma cópia também de seu pai. O Tio morava
sozinho. Era o único irmão de seu pai. Como o pai de Afonso morava em São Paulo
e o tio era solteiro, eles combinaram de Célio morar lá, até resolverem o
fariam com o imóvel nessas questões de herança e tal. Dessa forma com a morte
do tio e Afonso sendo filho único, a casa de seus avôs, também ficaria sob sua
responsabilidade até o pai decidir se venderia ou não. Conforme o testamento, Afonso
era dono do Hotel e tudo que se encontrava dentro do prédio e na propriedade.
-- Então, Seu
José... Vamos ver se encontramos essas caixas e descobrimos o que deixou meu
Tio tão nervoso e preocupado. Mas e sobre o Hotel?O senhor pode me informar
qual a história dele?Pergunta Afonso abrindo a porta do Saguão.
-- Posso sim.
Resumindo, foi inaugurado entre mil novecentos e cinqüenta e cinco e mil
novecentos e cinqüenta e seis. Ficou bem, funcionado até final dos anos setenta
quando aconteceu um caso policial que saiu até nos jornais de circulação
nacional e depois disso foi lacrado pela policia. Agora, há uns sete anos atrás
foi reaberto, mas não vingou. Foi quando o Célio comprou. Ano passado resolveu
as pendências que os últimos donos deixaram e começamos a reforma. Ele estava
empolgado. Até que deu no que deu... Seu José aperta os lábios dá uma pequena
suspirada e levanta os ombros com um leve pesar no rosto.
-- Então, meu
Tio era ou seria a terceira administração do Hotel. Afonso começa a ficar
interessado, historiador como era.
--Sim. Na
década de cinqüenta eram de uns alemães que vieram para cá no período da
Segunda Guerra. Seu José forçava a memória para tentar ser correto ao dar as
informações.
--Depois da
Guerra ou durante?Afonso diz. E de pronto Seu José. Dispara:
--Ai, nesse
caso, já não sei, meu filho... O que te falei foi seu tio que me contou. Quem
sabe na prefeitura ou na biblioteca você pode saber dessas coisas.
-- Imaginei
tudo diferente... Achava que seria um prédio construído próximo a calçada. Sem
tantos retoques arquitetônicos. Mais prático que bonito. Fiquei feliz com o que
vi. Gostei do muro baixo com a grade completando a altura e do recuo em relação
à calçada. Quando terminar a reforma o jardim será muito bonito. Ele queira
apenas reabrir o Hotel, Seu José?Era viável?
--Era sim. Os
últimos donos erraram em muitas coisas e fecharam por falta de uma
administração mais eficiente. Dava para ver que eram inexperientes no ramo da
hotelaria. Não exploraram as possibilidades turísticas da região. O restaurante
era bom, mas não conseguiram custear o necessário. Deveriam ter investido mais
em propaganda. Mas paciência, né?
Seu José era
um homem de visão empresarial, inteligente e articulado. Ninguém toca obras só
por intuição. E pelo que Afonso notou no Hotel seu trabalho era muito bom. Se
destacaria em qualquer lugar.
-- O senhor
poderia ser meu guia?Estou meio perdido ainda. O advogado me deu só a chave e não
tenho planta do prédio, nem nenhum relatório do que possui o Hotel em termos de
material e essas coisas. Pergunta meio sem jeito, com medo de incomodar.
--Claro, quem
sabe encontramos as caixas!O sorriso de Seu José parecia de um menino em busca
de um tesouro.
E começam a
olhar tudo.
Passando pelos
quartos vazios. Vão até o fim do corredor do primeiro andar.
-- Toda
Mobília dos quartos foi levada para restauração. Adiantou-se seu José. —No fim
do corredor há um quarto que seria usado pelo pessoal da limpeza, ao lado de
outra escada que segue para o segundo andar, também usada pelos funcionários da
cozinha em caso de algum pedido. Como você viu, a escada dos hóspedes é a que
usamos. Há no segundo andar outro quarto assim. Você vai perceber que ainda não
havíamos mexido em nada lá. Assim que terminamos as obras no térreo todo e no
primeiro, Célio achou as caixas e começou a ficar estranho. Bom, falo “caixas”
por que ao passar aqui para ver como
estavam as coisas na reforma, o encontrei mandando os pedreiros embora e notei essas caixas de papelão na caminhonete. Não
sei o conteúdo delas apenas deu para ver uns aparelhos antigos... Bem antigos
mesmo e muito papel em várias pastas de arquivo bem velhas. Por isso deduzi que
ele as encontrou aqui. Mas não dei atenção. Depois disso ele ficou arredio e
alguns dias depois, suspendeu a reforma.
--Mas o senhor
não perguntou por quê?
--Não, para
mim era um adiamento. Coisa financeira... Sei lá. Depois da morte dele que
liguei as coisas. E percebi que a mudança começou no dia que ele saiu daqui com
essas coisas. Disse seu José. Olhando junto com Afonso o corredor vazio e se
dirigindo para o lugar onde estava instalada mais uma escada que dava no
armazém do sótão.
Mesmo com os
desníveis laterais, no armazém era possível andar ereto desde que pelo meio. O
madeiramento era disposto de maneira a permitir que se aproveitassem bem os
espaços. Mas parecia que o cômodo era menor. Andando até a parede oposta a
escada, uma porta chamou a atenção dos dois.
—Conhecia esse
cômodo, seu José?
—Não. Ao
iniciar a obra dei uma olhada da escada para conhecer, mas não tinha visto essa
porta de lá. Responde prontamente apontando para trás.
--Está
trancada. Diz Afonso tentando girar a maçaneta. E minhas chaves são diferentes.
O que meu tio encontrou devia estar aqui. Mais tarde vou até a casa dele e
procuro por lá. Sabe me falar se a estrada ainda é como há quinze anos?Quando
era criança se chovia a gente perdia o direito de ir e vir. Pergunta sorrindo.
--Não... Agora
mudou. Cidade turística tem que ter acesso fácil às coisas. Ir até o sitio fica
fácil mesmo com chuva. Conheço lá. Seu José, responde cheio de orgulho de sua
cidade.
--Nem quis ir
lá ainda. Muitas lembranças boas e essa recente bem triste. Mas acho que vou
dormir lá essa noite. Afonso olha o armazém vazio onde antes deveria ser um
depósito de coisas inúteis do Hotel e se volta caminhando em direção a escada, convidando
seu José a voltar ao saguão.
Já no térreo,
se despede de seu José dizendo que poderia precisar dele em relação à reforma,
e que o colocaria a par de toda novidade em relação ao conteúdo das caixas caso
as encontrasse.
Como já havia colocado sua bagagem no carro e
feito o check-out no hotel onde passou a noite. Dirige até a casa das memórias
de sua infância. Como eram boas as lembranças. O caminho tinha mudado pouco,
mas se notava um cuidado maior. Valetas para escoamento das águas da chuva e
essas coisas de infra-estrutura. Ao chegar ao sitio abre o enorme portão e sobe
a estrada até a casa que era construída em uma área plana no alto da
propriedade. Procura o caseiro. ”Deve estar cuidando das coisas daqui, sabia que
viria hoje, mas não avisei o horário.”
--João! Grita,
andando até a varanda da casa. E em sua direção caminha um homem de chapéu
tipicamente trajado de trabalhador rural: botinas, calça jeans, canivete no
cinto e camisa xadrez.
–O menino!Tá
grande, hein? Com sorriso aberto de orelha a orelha, abraça o menino que viu
crescer a cada seis meses nas férias escolares.
João era filho
do seu Manuel, antigo responsável na época do avô de Afonso. Era pouco mais
velho que Célio. E muito próximo dele. Não tinha filhos. Vivia só com sua
esposa que era ótima cozinheira. Foram eles que encontraram o carro e o corpo
de Célio na estrada em direção a cidade.
--Cada vez
mais parecido com seu pai. Que bom que você tá aqui. Sem o Celinho eu tava
querendo ir embora. A Marlene tá inconformada. Desabafa em um misto de alegria
por ver o Menino depois de tanto tempo e por saber que o motivo de ele estar
ali era a morte de um amigo.
--Imagino.
Afonso aperta os lábios com os olhos mareados.
--Mas com você
aqui, muda todo. Vou cuidar de você já é tradição na minha família cuidar dos
Mascarenhas.
--Que bom. Vou
ficar um tempão. Tenho muitas coisas para resolver. E a Marlene?Depois de
quinze anos ainda faz aquele bolo de fubá maravilhoso?E entram na casa.
-- Olham que
tá aqui, Marlene! Realmente a chegada de Afonso deixara João radiante. Ao
entrar na casa vê a antiga amiga de seu tio.
--Ah. Meu
menino. Me conta o que fez nesses anos longe. Já casou?Tentava demonstrar uma
alegria que não era disfarçada pela tristeza em seu coração.
--Ainda não só
com o trabalho. Disse Afonso. Quem sabe um dia.
Sorrindo
maliciosamente Marlene aponta uma cadeira de balanço na sala de entrada da casa
e se senta em um sofá próximo. Era próximo das cinco horas da tarde imaginando
que Afonso estaria com fome pergunta se aceitava um café.
--Só se tiver
aquele seu bolo. Responde Afonso.
Depois de
alimentados e com a conversa em dia. Marlene e João enfrentam o assunto que
mais queriam fugir. E contam tudo. O carro parado na estrada, as cartelas de
remédios vazias, a falta de motivo aparente, a vida que Célio levava e a
alegria de trabalhar na reforma. Também não acreditavam na hipótese de
suicídio.
--Ele não
tinha motivo, Afonso. Tava tudo bem. Tinha dinheiro, saúde e o sitio se
mantinha muito bem. Seu avô deixou tudo tinindo. A gente só mantinha tudo
funcionando como tinha que ser e pronto. Nunca teve um problema de saúde, nem
nada. Era um cavalo como diria sua vó. Forte feito um cavalo. A polícia falou
que não tinha alternativa, pois nada tinha sido roubado e não tinha também
marcas de nada. Briga, outro carro, tiro, nada. Só acharam as cartelas de
calmante tarja-preta e depois de levar o corpo pro IML disseram que a morte foi
causada pela alta ingestão de remédios e falta de ter sido atendido a tempo.
Quando achamos ele já tava morto. Só resta lamentar disse o policial.
--Morreu.
Achou uma explicação plausível. Pronto para que investigar? Disse Afonso.
Concordo com vocês. Ele não se matou. O empreiteiro falou que ele encontrou
umas coisas no hotel e ficou diferente depois disso. Vocês perceberam alguma
coisa?Falaram disso para a polícia?Perguntou.
--Eu não
pensei em nada ainda. Não caiu a ficha. Nem falei nada para a polícia.
Respondeu João. As coisas que ele encontrou estão trancadas no quarto dele. Não
entrei lá ainda nem a Marlene ele morreu só há quinze dias. Nessa correria de
mandar o corpo pra cidade, IML, cemitério. Não parei ainda pra tentar voltar à
realidade. Parece tudo um pesadelo... Foi muito recente.
--Vou te
ajudar a arrumar tudo e vamos descobrir o que levou o tio a se matar ou a
matarem ele. Afonso foi tão determinado na resposta que João se sentiu mais
renovado ainda com a presença dele. —Agora me mostra o que ele achou. Ordenou
Afonso.
--Vamos lá ao
quarto dele então. João levantou-se da cadeira e foram para o quarto de Célio.
No caminho ao
quarto de Célio, João comenta que o comportamento dele era muito diferente do
que sempre demonstrou. Estava angustiado, preocupado com a segurança de tudo.
Mudava o itinerário de seus caminhos habituais. Muita neurose para quem sempre
foi muito bem relacionado com todos e nunca teve inimigos. A cidade também não
era assim violenta a ponto de ter essa preocupação exagerada como ele exibia
ultimamente.
-- Há quanto
tempo ele encontrou essas coisas? Ele comentou alguma coisa que seja
importante?Indagou Afonso.
-- No máximo
há dois e meio ou três meses. Quando ele começou a examinar as plantas antigas
e perceber que havia uma diferença no tamanho do sótão do Hotel. Uns três
metros a menos em relação ao que dizia a planta. Célio achava que o
revestimento de madeira da parede era muito mais novo que o resto da construção
e que teria sido colocado bem depois. Então, junto com os pedreiros, retirou
esse revestimento e encontrou atrás dele outra parede de alvenaria e uma porta.
No mesmo dia, ele chegou aqui com a caminhonete cheia dessas caixas e parou a
obra. Respondeu João ao passo que Afonso já emenda outra pergunta.
--Mas não te
disse nada? E esses pedreiros?Ajudaram ele? Viram alguma coisa?João responde
junto à porta do quarto que não sabia sobre os pedreiros, mas que o empreiteiro
poderia ajudar e que Célio apenas juntou tudo trouxe, para casa e parou a
reforma até descobrir o que eram aquilo tudo. A única ordem dele foi aumentar a
segurança do prédio.
--Ali estão as
caixas e os equipamentos. João aponta um canto do quarto, onde estavam
empilhadas seis caixas de papelão pardo cheias de pastas e papéis, e, ao lado
delas vários equipamentos eletrônicos muito antigos.
-- Você já
mexeu nelas? Diz Afonso entrando no quarto, se aproximando e abaixando em
frente às caixas.
--Não. Nunca
foi meu costume mexer nas coisas dos outros nem quando pediam. Depois que ele
morreu... Na verdade desde que ele entrou aqui com isso é a primeira vez que
venho aqui. Nem sei o que tem ai dentro. João responde e vai se aproximando
curiosamente, mas tentando esconder esse sentimento.
Afonso abre as
abas da primeira caixa e de olhos arregalados diz para o amigo ao lado dele de
joelhos.
-- Olha isso
João. Tem suásticas em quase todos os papéis.